A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou de pauta a votação da minuta prévia da resolução normativa que atualizaria a Portaria 344/1998.
O documento estabelecia os critérios de cultivo para Cannabis sativa L. com THC até 0,3% e previa autorizações especiais, controles de segurança, rastreamento laboratoriais e regras de importação/exportação, além de ajustar diversas listas de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, com implicações de recortes, isenções e requisitos de prescrição e registro para diferentes categorias.
O documento foi retirado de votação logo no início da transmissão da reunião da Diretoria Colegiada (DICOL) pelo diretor Daniel Meirelles Fernandes Pereira.
Entenda os detalhes da atualização da Portaria 344
O núcleo da mudança estaria na atualização do Anexo I da Portaria SVS/MS nº 344/1998, com a inclusão dos Adendos 13 a 16 nas listas E e C1. Entre as principais mudanças, destaca-se a definição de critérios de cultivo da Cannabis sativa L. com teor de THC até 0,3% (em produto final), bem como a criação de uma Autorização Especial (AE) para atividades específicas, acompanhada de requisitos de segurança, monitoramento e controle de acesso.
No âmbito de rastreabilidade e comércio, o texto propõe regras de rastreamento, transporte, importação e exportação, além de ajustes em listas de substâncias sob controle especial. Esses ajustes devem trazer impactos regulatórios significativos, incluindo revisões em prescrições, registros e licenças para diferentes categorias, além de alterações em isenções e condições de uso.
“Essa minuta (que saiu de pauta da votação) justamente vem cumprir um buraco que tem na RDC 327 de dar origem do insumo farmacêutico para os produtos de Cannabis. A informação que achei relevante é que a Anvisa restringe a 0,3 desde de THC. Isso foi pouco falado até hoje aqui no Brasil por conta da onda do cânhamo que não há como cultivar cânhamo em 0,3 em ambiente tropical. A questão nem é tanto de clima, é mais a questão realmente da incidência das ondas de luz do sol. A gente pega os mapas, a gente vê que Cânhamo só dá acima de latitude 35, seja para o norte e seja para o sul. Então, o Uruguai consegue cultivar cânhamo, mas o o Rio de Janeiro, por exemplo, não consegue cultivar cânhamo. Boa parte do Brasil não consegue cultivar cânhamo. Um exemplo disso é quando os portugueses trouxeram cânhamo Brasil ainda no Brasil Colônia, tentaram cultivar, acho que se não me engano, em Pernambuco, tentaram cultivar no Espírito Santo, tentaram cultivar em Santa Catarina e foram cultivar com alguma efetividade em São Leopoldo, na Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFC). E isso não mudou de lá para cá. Porque o THC é uma reação da planta a determinada ângulo e frequência da onda de luz que que chega a planta”, explica o advogado Emílio Figueiredo.
Processo e transparência da ANVISA
Conforme também apurado pela jornalista, o tema encontra-se sob análise da DICOL e, mesmo fora da pauta, a minuta permanece aberta para consulta pública e deverá passar por análise técnica e jurídica antes de sua aprovação definitiva. A Anvisa reforçou que manterá a população informada sobre eventuais alterações durante o decorrer do processo de votação, reforçando o ‘compromisso com a transparência e respeito das datas estipuladas e dos trâmites regulatórios’.
Contexto e próximos passos
A decisão da DICOL poderá estabelecer novas diretrizes para cultivo, importação/exportação e uso de componentes associados à Cannabis, gerando impactos potenciais na economia, em tratamentos de saúde, prescrição médica e fiscalização.
A atualização da Portaria 344 pode impactar outras RDCs que garantem acesso à Cannabis?
A Portaria 344 é apresentada como a base regulatória da Cannabis no Brasil, funcionando como o alicerce sobre o qual se apoiam as regras subsequentes. A advogada Maria José Delgado destaca que, desde a Resolução 17 da Anvisa, toda mudança regulatória relevante para o registro de produtos ou para a definição de critérios terapêuticos depende de alterações nessa norma-raiz.
Em outras palavras, se um novo marco legal ou ajuste regulatório não estiver previsto na Portaria 344, ele não terá respaldo adequado para ser aplicado, o que torna a atualização dessa Portaria imprescindível para qualquer evolução do quadro regulatório da Cannabis.
“Toda vez que precisa de um marco legal, estabelecer critérios que não estão na 344, obrigatoriamente a 344 tem que ser alterada para ela subsidiar aquilo que não está previsto. Aí a gente está diante desse caso de uma exigência que está posta e que tem até 30 de setembro para para definir. E aí de novo, é o mesmo mecanismo, que ele não pode ser diferente. Se não está na 344, a previsão do plantio e etc, porque agora vai ocorrer, então, estabeleceram seus critérios e ao mesmo tempo, estabeleceram ter o controle de teor”, pontua Dra. Delgado.
O limite de 0,3% de THC pode afetar a continuidade de tratamentos de saúde que utilizam produtos à base de Cannabis com teores superiores a esse limite?
No contexto atual, discute-se uma possível atualização que estabeleceria, entre outros pontos, um limite de 0,3% de THC para determinadas situações, bem como critérios ligados ao plantio e ao controle de teor.
A advogada aponta que, historicamente, alterações na Portaria 344 foram necessárias para acomodar proporções de compostos que hoje já são aceitas em tratamentos, como ocorreu com o Mevatyl.
Segundo a profissional, essa dinâmica de atualização pode ter impactos diretos sobre outras RDCs, como a 327 e a 660, que tratam de produtos e procedimentos específicos relacionados à Cannabis.
Ao revisitar a Portaria 344 para subsidiar novos critérios — especialmente no que diz respeito a cultivo, teores e controle —, todas as normas que dependem desse fundamento legal podem sofrer repactuações. Em suma, não é viável promover alterações pontuais em regulações relacionadas à Cannabis sem revisitar a 344, pois ela funciona como o fio condutor que sustenta os atos regulatórios subsequentes.
“O ideal realmente seria aguardar a diretoria efetiva ser empossada e essa diretoria efetiva que tome que realmente apresente uma nova minuta. Porque essa minuta foi apresentada pela diretoria interina”, completa Figueiredo.
Por fim, observa-se que a interdependência entre as normas aumenta a importância de um equilíbrio entre o marco regulatório e o acesso a tratamentos. A atualização da Portaria 344, além de refletir avanços técnicos e normativos, precisa considerar a necessidade de garantias terapêuticas para os pacientes, sem criar entraves desnecessários ao acesso a Cannabis medicinal, como salienta Figueiredo em relação à limitação do teor de THC. A comunicação entre os órgãos reguladores e a comunidade jurídica, associada a uma previsibilidade regulatória, é essencial para evitar impactos negativos no atendimento clínico e para manter a consistência de todo o arcabugo regulatório.
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