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Diretor da Anvisa, Alex Machado Campos, faz balanço sobre os avanços da Cannabis em 2022

Diretor da Anvisa, Alex Machado Campos, faz balanço sobre os avanços da Cannabis em 2022

Publicado em

23 de dezembro de 2022

• Revisado por

Jornalista especializada em política nacional. Pós-graduada em Assessoria em Comunicação Pública e Cannabis Medicinal. Mestre em Ciência da Informação. Fundadora da InformaCANN. Correspondente em Brasília do Portal Cannabis & Saúde.

Para fechar com chave de ouro 2022 a entrevista exclusiva é com o Diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Alex Machado Campos. Nesse bate-papo, o Diretor da Anvisa falou sobre a recente decisão, de sua relatoria, que autorizou pela primeira vez o cultivo da Cannabis no Brasil para o desenvolvimento de pesquisas na área neurológica e psiquiátrica. Para Campos, a autorização concedida à Universidade Federal do Grande do Norte é uma vitória para a comunidade científica e fortalece a pesquisa no país, além de abrir um precedente para que outras instituições possam estudar a Cannabis de forma controlada e legal. Campos também falou sobre o vácuo jurídico para o uso terapêutico da Cannabis em animais no Brasil, as restrições para produção de outros derivados da planta sem efeitos psicoativos como os cosméticos, e também deu sinais das direções que podem tomar a revisão da Resolução da Diretoria Colegiada 327/2019, que regulamenta a venda de produtos à base de Cannabis nas drogarias. Quer saber ainda o que o diretor da Anvisa pensa sobre a regulamentação do cânhamo industrial e como o assunto pode avançar nos próximos anos? Não deixe de ler a reportagem completa!

 

Recentemente, a Anvisa autorizou – de forma histórica – o cultivo da Cannabis para fins de pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A sua relatoria foi seguida de forma unânime pelo colegiado, não é?

A decisão foi unânime, construída ao longo de um ano inteiro. É importante essa oportunidade, agradeço ao canal a chance de poder explicar melhor a decisão, para trazer ao conhecimento público as razões que justificaram essa opção que a Anvisa fez nesse momento. Em síntese, havia um recurso aviado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte contra uma decisão da própria Agência, que incialmente indeferiu o pedido para autorização de cultivo para pesquisa. Em especial, a possibilidade de importar sementes e promover o plantio de maneira controlada.

Ao avaliar o trabalho de pesquisa que vem sendo realizado na área de neurociência pelo Instituto do Cérebro, que é um departamento do âmbito da UFRN – eu tive a chance de visitar pessoalmente – pude entender que se trata de ciência. Essa é a palavra que define a decisão da Anvisa.

Dar condições dentro das competências da Agência para que uma instituição de pesquisa e ensino – voltada ao estudo da Cannabis – pudesse desenvolver ciência, da maneira mais ampliada possível, obviamente estabelecendo uma série de critérios, uma série de requisitos, de forma controlada. Eu acho que essa é a sua mensagem mais importante da decisão.

No seu voto você defendeu a pesquisa em solo brasileiro para não ficar refém de importação. Essa decisão abre precedente para que outras instituições de pesquisa e ensino também possam fazer o mesmo pleito para obter autorização de cultivo aqui no país?

Sem dúvida tem um caráter motivacional. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte vai tocar quatro projetos de pesquisas com a Cannabis Sativa. É importante esclarecer o antes e o depois. Veja, até aqui, a UFRN – por meio do Instituto do Cérebro – estabelece essas pesquisas com importação de produtos já formulados, praticamente, de uma única molécula, que é o CBD. Quem conhece do tema sabe que a Cannabis é capaz de produzir mais de uma centena de moléculas.  Há centenas de fitocanabinoides! E o que o Instituto vai fazer? Agora, dispondo da possibilidade de plantar, de cultivar indoor – de maneira controlada – dentro de um ambiente de laboratório, numa quantidade que também vai ser acompanhada pela Anvisa, eles vão poder estabelecer interações entre as diversas moléculas. Interações entre as moléculas e outros compostos afim de estudar a eficácia e a segurança da Cannabis e desses fitocanabinoides em perspectivas de eficácia e segurança na área neurológica e psiquiátrica. Então, dos projetos que me vem à cabeça, que consta no meu voto, um é na área de epilepsia para estudar as interações com os aspectos convulsivantes da doença, outro na área de autismo e de tinnitus, zumbido. Então, sem dúvida, essa decisão gera um precedente importante.

É bom esclarecer que, anteriormente, a Anvisa já tinha inaugurado esse debate sobre o cultivo. Mas, tinha sido num ambiente onde a discussão era voltada ao cultivo em escala de produção, em escala comercial. A gente entende que esse debate precisa ampliar, porque precisa envolver outros atores sociais, outros atores governamentais, inclusive a Polícia Federal. Nós sabemos que a Cannabis é um produto com alta capacidade de desvio. E essa é uma dimensão que a gente tem que entender. Mas isso não pode ser um obstáculo aos avanços que a Cannabis representa, principalmente para os pacientes.

Acho que é uma grande conquista! A comunidade científica comemorou a decisão. De fato, havia essa limitação de explorar a capacidade terapêutica da planta. Com essa decisão, não há dúvida, outras universidades e centros de pesquisa devem se socorrer desse precedente para inaugurar novas pesquisas com a Cannabis.

 

Já tem alguns pedidos na fila?

Acredito que não. A decisão ainda é muito recente. A própria Universidade Federal do Rio Grande do Norte deve submeter nesses próximos dias alguns documentos à Anvisa afim de que a gente possa certificar de que aqueles requisitos do voto serão alcançados pela Universidade. Mas a instituição já antecipou que atende a todos os requisitos.

 

E para o uso veterinário? Sabemos que há um vácuo jurídico. Assim como os humanos, os animais também possuem um Sistema Endocanabinoide e poderiam se beneficiar do uso medicinal da planta. É possível construir uma parceria entre a Anvisa e o Ministério da Agricultura e Pecuária em conjunto para regulamentar a matéria?

Essa é uma discussão que está no limbo do ponto de vista jurídico, porque há uma competência dada ao Ministério da Agricultura proeminente sobre o tema. A Anvisa não debate e não regula medicamentos e soluções terapêuticas para uso veterinário. Isso não é uma competência da Agência. Não há dúvida de que há espaço no âmbito para levar conhecimento, trazer a experiência da Agência. Se essa aplicação terapeuta beneficia o homem, os humanoides, os animais seguramente também podem se beneficiar. Mas essa não é uma discussão que pode ser liderada pela Anvisa. A Anvisa pode apoiar o debate e a Anvisa já faz isso envolvendo outros temas, inclusive o uso veterinário de medicamento do modo geral. A gente interage nesse debate, mas ele não é dirigido ou liderado pela Agência.

 

Com relação aos cosméticos. Essa é uma competência da Anvisa, não é? Marcas famosas como a Avon e a Garnier já estão lançando linhas de cosméticos da Cannabis fora do Brasil, inclusive, sem canabinoides, usando só óleo da semente que não tem qualquer psicoativo ou até efeito medicinal. A gente também pode esperar avanços nessa linha de cosméticos à base de Cannabis?

Esse é um debate que extrapola a Anvisa. A discussão que foi inaugurada nesse recurso tem um espaço legal bem definido. A própria lei que cria a Política Nacional de Drogas estabelece que os produtos proscritos, os produtos tidos como proibido de utilização, que são controlados também para efeitos de tráfico de drogas e percussões de ordem penal e segurança pública, eles têm uma disciplina própria pela Lei de Drogas. E nessa Lei existe um dispositivo específico, que em condições específicas pelo próprio Estado, é possível a utilização desses produtos para fins terapêuticos, para fins de pesquisa e para fins medicinais.  Essa é uma discussão bem definida do ponto de vista de pesquisa.

Do ponto de utilização mais ampliada, eu não tenho dificuldade nenhuma de reconhecer a aplicação em vários setores da economia. A gente sabe do potencial do cânhamo, por exemplo. Isso já é algo conhecido, não há discussão quanto a isso. No entanto, a discussão quanto a essa aplicação extrapola a Agência, porque existe Lei específica que trata do tema de produtos controlados e a Cannabis está nesse contexto. Então, não é uma discussão ideológica nesse debate. A discussão é também de alcance técnico-jurídico. 

Eu acho que esse debate, a Anvisa pode participar, mas tem uma amplitude que envolve Congresso Nacional, os órgãos do governo, para que encontre o local certo. Mas que isso não constitua um obstáculo ao desenvolvimento nacional.

 

É interessante que o cânhamo não contém substância controlada (há traços de THC, sem psicoatividade na sua composição). E a China, que é a maior produtora de cânhamo do mundo, tem uma política de drogas super restrita. A maconha lá é proibida e o cânhamo nunca foi negado, nunca foi proibido naquele país. Interessante essa cultura, não é?

É verdade. Nos últimos anos tivemos envolvidos com a pandemia. O Brasil acompanhou o desafio das autoridades de saúde, vacinas, medicamentos voltados à Covid, dispositivos médicos, máscaras…. Enfim todos os insumos que interagiram na pandemia, medicamentos antibióticos, relaxantes musculares para internações. Foram dois anos dedicados à pandemia. Ainda estamos no estado pandêmico, mas em outra situação, com vacinação ampliada, conhecendo melhor doença. Agora, alguns temas ganharam prioridade e energia. Um deles foi esse do recurso envolvendo a UFRN.

Não tenho dúvida que esse debate seguirá agora com muita força, em várias perspectivas. As próprias pesquisas que serão estabelecidas nos ambientes das instituições de ensino e pesquisa trarão atenção ao debate. E aquilo que precisa ser distinguido, separado do debate sob o controle de produtos que merecem esse tipo de controle. Inclusive no plano internacional, é bom lembrar que o Brasil faz parte de acordos internacionais, de tratados que estabelecem as relações entre os países quando se trata de produto controlado. Acho que o cânhamo é um debate que precisa avançar. O cânhamo acaba sofrendo com o preconceito em relação a Cannabis, mas eu acredito que isso vai avançar muito rapidamente, de maneira acelerada, porque não é possível conter inovação.

 

Sobre o PL 399/2015 – o que mais avançou até agora no Congresso. Como a Anvisa avalia o texto? E em quais legislações a Anvisa se ampara para editar as suas regulamentações?

Eu acabei citar a lei que estabelece a Política Nacional de Combate às Drogas e a Anvisa é o órgão central no estabelecimento das listas de produtos controlados. Essa lista, inclusive, pauta atuação da Polícia Federal em relação ao combate às drogas, ao tráfico de drogas, ao descaminho e a Anvisa, de fato, tem um papel central nesse debate. Mas é um papel que decorre dos requisitos legais. Nós acompanhamos o debate no Congresso sempre com muito respeito. Eu entendo que a Câmara e o Senado são as instituições que devem ampliar esse debate. São casas permeáveis a um debate mais aprofundado. As preocupações da Anvisa se circunscrevem às questões técnico-sanitárias.

Nós temos nos manifestado no sentido de que se a Agência for convocada a participar desse debate, dispomos de condições para contribuir.

A regulação tem que ser proporcional à realidade e sobretudo espelhar a vontade da população por novas soluções terapêuticas.

Então, esse recurso acaba sendo um contributo a esse debate. É importante distinguir o debate da utilização da Cannabis do ponto de vista terapêutico de todo debate de uso recreativo, que acaba contaminando aquilo que deve ser o lugar certo desse debate, que é pesquisa voltada ao conhecimento, e esse conhecimento voltado à novas soluções terapêuticas.

 

E agora para concluir, fazendo uma retrospectiva de 2022, qual é o saldo? 25 produtos à base de Cannabis já têm autorização para serem vendidos das farmácias. A Anvisa acaba de autorizar o cultivo para pesquisa. O saldo é positivo?

O saldo é muito positivo. Nós temos essa legislação que a Anvisa editou, que é uma legislação que ela precede um pouco o início da pandemia, RDC 327, que trouxe um marco jurídico importante na evolução do conhecimento sobre Cannabis. Uma regularização sanitária que é proporcional a esse conhecimento. A gente vê a pujança do mercado, ao reconhecer mais de 20 produtos regularizados na Agência no escopo da 327. Inclusive, essa RDC está sendo revista nesse momento. A Anvisa já fez uma primeira ausculta pública por intermédio da plataforma digital E-participa, onde as pessoas puderam contribuir de maneira aberta e transparente, respeitando a diversidade dos atores envolvidos. Contribuíram desde mães de pacientes até a indústria organizada.

Então acredito que a revisão da 327 vai permitir a ampliação do debate. Por exemplo, a questão da forma de administrar o produto a base de Cannabis. Hoje, só a modalidade oral é permitida. Mas está em estudo a questão do spray, utilização em pele, a própria interação venosa da substância. Há uma gama de possibilidades. A inovação sempre vai estar à frente da regulação. O regulador tem que de estar pronto para acompanhar esse dinamismo. Acredito que o saldo é muito positivo. Não apenas de 2022, mas sobretudo da evolução da 327.

E com o debate agora aberto – porque ele está aberto – eu acho que a gente vai consegui alcançar um outro nível de maturidade nos debates de Cannabis na Anvisa.E com o debate agora aberto – porque ele está aberto – eu acho que a gente vai consegui alcançar um outro nível de maturidade nos debates de Cannabis Anvisa, conclui Campos.

 

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Jornalista especializada em política nacional. Pós-graduada em Assessoria em Comunicação Pública e Cannabis Medicinal. Mestre em Ciência da Informação. Fundadora da InformaCANN. Correspondente em Brasília do Portal Cannabis & Saúde.

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