A dor crônica atinge ao menos 37% dos brasileiros, é algo como 60 milhões de pessoas. Apenas a enxaqueca alcança 34 milhões (uma em cada sete), segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). É um impacto e tanto na qualidade de vida destas pessoas. E é nesse cenário que a Cannabis medicinal vem ganhando espaço como ferramenta terapêutica para aliviar sintomas e melhorar a qualidade de vida. “A Cannabis é uma ferramenta importantíssima para aliviar a dor”, resume o ortopedista e traumatologista Dr. Jimmy Fardin, convidado da nossa live do Portal Cannabis & Saúde.
O que muda com a Cannabis: olhar integral e o Sistema Endocanabinoide
Para Fardin, a resposta está no sistema endocanabinoide (SEC), “um maestro que coordena outros sistemas”.
“Mesmo sendo um sistema descrito nos anos 1990, ele tem receptores espalhados pelo corpo e atua regulando transmissão de impulso, inflamação, humor e percepção da dor”.
Ao modular esses receptores (CB1/CB2 e vias associadas), THC e CBD, isolados ou combinados a outros fitocanabinoides, ajustam sinais de dor e processos inflamatórios.
“A dor é uma construção cerebral e cada pessoa a percebe de uma forma. Por isso, tratar dor exige olhar o paciente inteiro como sono, alimentação, intestino, emoções. E aí a Cannabis faz diferença”, explica o médico.
Que dores respondem melhor?
O médico começou a nossa live destacando os quatro grandes grupos de dor:
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Nociplástica (fibromialgia, enxaqueca, intestino irritável) — responde muito bem aos canabinoides;
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Neuropática — também responde bem;
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Mista (inflamatória + nociceptiva, ex.: pós-operatório) — resposta boa;
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Nociceptiva aguda (trauma, calor) — responde, mas costuma haver boa resposta a analgésicos convencionais.
“Comparativamente, em dor crônica você tem um ganho maior, porque os canabinoides também melhoram sono, humor e ansiedade”
THC + CBD: por que o balanço importa?
Segundo Fardin, combinações CBD:THC (como 20:1, 5:1 e 1:1) são frequentes na prática clínica.
“O óleo um para um para dor, é um óleo muito importante no tratamento da dor, é inclusive, que eu mais uso. Ele contém a mesma quantidade de CBD e THC. O THC é agonista de CB1 e atua mais intensamente na percepção da dor; o CBD modula receptores e ‘segura’ os efeitos adversos do THC. Juntos, fazem o chamado efeito comitiva”, diz.
O médico também cita CBG e CBC como coadjuvantes úteis: “Se o paciente não tolera THC, o CBG vira uma alternativa interessante para dor, com menor risco de efeitos psicoativos”.
Doses, titulação e tempo de resposta
A prescrição de Cannabis medicinal segue o princípio da individualização. Como explica o Dr. Fardin, “não existe dose padrão; começamos baixo e titulamos conforme o retorno do paciente”. Isso significa que o ajuste é guiado pela resposta clínica e pela tolerância individual, uma vez que cada pessoa tem um sistema endocanabinoide único, com variações genéticas e metabólicas que influenciam a absorção e o efeito dos canabinoides.
Enquanto alguns pacientes percebem melhora significativa em poucos dias, outros podem levar semanas para alcançar um resultado consistente. Entre os sinais de que o protocolo precisa ser revisado estão: ausência de efeito com CBD abaixo de 100 mg/dia (quando em formulações isoladas), THC próximo de 10 mg sem resposta perceptível, ou ainda efeitos indesejados, como sonolência excessiva, tontura e sensação de “ressaca” matinal. Nesses casos, o médico pode ajustar a dose, o horário de administração ou a proporção entre CBD e THC.
Nos idosos, a cautela deve ser redobrada — não por pior tolerabilidade, mas por riscos de hipotensão e quedas em caso de dosagem elevada. “Curiosamente, o idoso tende a tolerar melhor o THC do que os jovens, desde que a titulação seja lenta e acompanhada”, ressalta o médico.
Interações medicamentosas e qualidade do produto
Por atuar sobre enzimas hepáticas, especialmente os citocromos P450, responsáveis pelo metabolismo de muitas drogas, e a Cannabis pode interagir com outras medicações. Entre as mais sensíveis estão a gabapentina, cuja concentração pode aumentar quando combinada com canabinoides, e, em menor grau, a pregabalina, que apresenta interações mais previsíveis.
Segundo o Dr. Fardin, “é crucial avaliar todas as medicações em uso antes de prescrever e garantir que o produto tenha certificado de análise (‘COA’), assegurando pureza, teores exatos de canabinoides e terpenos, e ausência de metais pesados, solventes e contaminantes microbiológicos”. Segundo ele, a qualidade do óleo é determinante para o resultado do tratamento.
Menos opioides e mais Cannabis para tratar a dor?
Entre os impactos mais relevantes observados nas pesquisas recentes está a redução do uso de opioides entre pacientes que iniciam o tratamento com cannabis medicinal. Em um ensaio clínico randomizado com pacientes com dor lombar crônica tratados por 24 semanas, aqueles que utilizaram a combinação THC + CBD relataram melhora funcional, redução significativa da dor e menor dependência de analgésicos convencionais quando comparados ao grupo placebo.
“Estados e países que regulamentaram o uso medicinal da Cannabis observaram uma queda expressiva nas prescrições de opioides. O impacto é clínico, social e econômico”, observa Fardin. Além de reduzir riscos de dependência, o uso racional dos canabinoides pode representar economia ao sistema de saúde, com menor número de internações e complicações associadas ao abuso de analgésicos potentes.
Intestino, microbiota e dor: a nova fronteira
Um dos pontos mais inovadores da discussão é a relação entre o intestino, a microbiota e o sistema endocanabinoide (SEC). Estudos recentes indicam que determinadas bactérias intestinais produzem endocanabinoides que interagem com receptores humanos. Quando há disbiose ou inflamação intestinal, esse equilíbrio se perde, afetando não apenas o metabolismo e a imunidade, mas também a percepção da dor e o estado emocional.
“Há grupos de bactérias capazes de produzir endocanabinoides. Disbiose e inflamação intestinal desregulam o SEC e pioram dor e humor. Tratar a base como a dieta, sono, atividade física potencializa o efeito dos canabinoides.”
Para o médico, o cuidado integrativo, que combina fitocanabinoides com mudanças no estilo de vida, é o que traz resultados mais duradouros.
Casos do dia a dia e indicações práticas
Na prática clínica, o Dr. Fardin observa benefícios concretos em diversas condições de dor persistente. Pacientes com síndrome pós-chikungunya, por exemplo, costumam evoluir para quadros nociplásticos e neuropáticos, tornando-se bons candidatos à terapia canabinoide.
Nos casos de artrose grau 4, especialmente quando o paciente ainda aguarda cirurgia, a cannabis pode postergar o procedimento, ao aliviar a dor, melhorar o sono e permitir melhor adesão à fisioterapia e à perda de peso — fatores decisivos para o sucesso cirúrgico futuro.
Já em enxaqueca e fibromialgia, a resposta costuma ser robusta, sobretudo quando o tratamento é combinado a higiene do sono, manejo do estresse e alimentação anti-inflamatória. Nessas condições, o uso contínuo dos fitocanabinoides contribui não apenas para o controle da dor, mas também para a melhora global da qualidade de vida.
Efeitos adversos mais comuns
Os efeitos colaterais da Cannabis medicinal são, em geral, leves e transitórios. Entre os mais relatados estão sonolência, tontura, queda de pressão e diarreia, muitas vezes associada ao tipo de óleo utilizado, e não ao canabinoide em si. Ajustes de dose, horário de uso ou composição da formulação costumam resolver a maioria dos casos. “O segredo está na titulação progressiva e no acompanhamento médico contínuo”, reforça o ortopedista.
O que vem para os próximos anos no Brasil?
Com base na trajetória recente, o Dr. Fardin vê um caminho irreversível: “Não tem volta. Precisamos de regulamentação responsável, formação médica e testes de qualidade. Com mais prescritores capacitados e mais pesquisa, o Brasil tem tudo para ser referência em uso medicinal.”
Para ele, o avanço depende da educação médica, da pesquisa clínica nacional e da criação de protocolos seguros e acessíveis. A consolidação da cannabis medicinal no país deve fortalecer um modelo de saúde mais humano, integrativo e baseado em evidências — no qual o alívio da dor é apenas o primeiro passo rumo à qualidade de vida.
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