Nos últimos anos, a Cannabis deixou de ser apenas pauta de discussões legais e passou a ganhar cada vez mais espaço na medicina e na pesquisa científica. Hoje, seus compostos são estudados em diversas condições de saúde, como dor crônica, epilepsia, ansiedade e doenças inflamatórias. Mas além da via de administração — óleos, cápsulas ou sprays — outro fator tem se mostrado decisivo para a eficácia terapêutica: a alimentação.
Afinal, os alimentos que consumimos podem influenciar diretamente a absorção e a ação dos canabinoides no organismo.
Como a Cannabis atua no corpo?
Os compostos ativos da planta, conhecidos como fitocanabinoides — entre eles o Tetrahidrocanabinol (THC) e o Canabidiol (CBD) — interagem com o Sistema Endocanabinoide, uma rede de receptores presente no cérebro, no sistema nervoso periférico, no sistema imunológico e em outros tecidos. Essa interação regula funções essenciais como dor, sono, humor, apetite e resposta inflamatória.
Para que esses efeitos ocorram, no entanto, os canabinoides precisam ser bem absorvidos pelo organismo — e é aí que a nutrição exerce um papel fundamental.
O papel da nutrição na absorção dos canabinoides
Por serem lipossolúveis (solúveis em gordura), os canabinoides necessitam de lipídios para atravessar o trato gastrointestinal de forma eficiente. Consumir gorduras saudáveis, como azeite de oliva, óleo de coco, abacate e castanhas, aumenta a biodisponibilidade. O mesmo vale para alimentos ricos em ômega-3 (peixes, chia, linhaça) e antioxidantes (cúrcuma, pimenta-preta, gengibre).
Um estudo publicado no American Journal of Translational Research (2020) demonstrou que a administração de CBD em conjunto com ácidos graxos elevou sua absorção em até quatro vezes. Sem esse suporte nutricional, boa parte do composto pode ser perdida no processo de metabolização hepática de primeira passagem, reduzindo o efeito terapêutico.
Alimentos que potencializam a ação dos canabinoides
Diversos alimentos ricos em gorduras boas e compostos bioativos podem atuar como aliados no tratamento com Cannabis medicinal:
- Azeite de oliva extra virgem: rico em ácido oleico, polifenóis e antioxidantes, melhora a estabilidade e absorção dos canabinoides.
- Óleo de coco: contém triglicerídeos de cadeia média (TCM), que facilitam o transporte dos canabinoides pela via linfática, aumentando sua biodisponibilidade.
- Abacate: fonte abundante de gorduras monoinsaturadas e fibras, contribui para a emulsificação intestinal de compostos lipofílicos como o CBD e o THC.
- Oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas): fornecem ácidos graxos insaturados e vitamina E, além de antioxidantes que atuam de forma sinérgica.
- Peixes como salmão, além de sementes de chia e linhaça: ricos em ômega-3, possuem ação anti-inflamatória e podem potencializar a resposta clínica dos canabinoides.
Limitações e cuidados
Apesar dos benefícios nutricionais descritos, o uso da Cannabis medicinal deve sempre ser feito sob orientação médica. A dosagem, a forma de administração e as possíveis interações medicamentosas precisam ser individualmente avaliadas.
Estudos clínicos e revisões críticas indicam que a biodisponibilidade oral do CBD pode aumentar até quatro vezes quando administrado com uma refeição rica em gordura. Ensaios com formulações lipídicas também demonstraram elevação significativa da absorção e da exposição sistêmica ao CBD em modelos animais e humanos, reforçando a importância da coadministração com lipídios.
Conclusão
A relação entre nutrição e Cannabis medicinal mostra como escolhas simples à mesa podem impactar a eficácia de um tratamento. Incluir gorduras saudáveis, antioxidantes e fontes de ômega-3 na dieta pode potencializar a absorção e prolongar os efeitos terapêuticos dos canabinoides.
Mais do que somar benefícios, trata-se de uma abordagem integrativa, em que a alimentação se alia à prescrição médica para promover mais segurança, equilíbrio e qualidade de vida ao paciente.
Referências:
A administração oral de cannabis com lipídios leva a altos níveis de canabinoides no sistema linfático intestinal e imunomodulação proeminente.
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Os oleossomos de colza facilitam a administração linfática intestinal e a biodisponibilidade oral do canabidiol.
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