Nos últimos anos, a utilização medicinal da Cannabis, em especial do Canabidiol (CBD), tem ganhado espaço no debate clínico e na mídia, gerando expectativas muitas vezes irreais sobre seu potencial terapêutico. Como profissional da saúde, entendo a importância de abordarmos o tema com seriedade, embasamento científico e, principalmente, responsabilidade.
Recentemente, fui procurada por uma mãe que buscava uma consulta para sua filha de 13 anos, diagnosticada com ansiedade.
Seu pedido era direto: queria que eu prescrevesse Canabidiol para a adolescente
Este caso ilustra bem os desafios éticos e clínicos que enfrentamos diante da crescente demanda por tratamentos com Cannabis. Durante a conversa, expliquei que, embora o Canabidiol venha sendo estudado em diversos contextos, sua indicação para transtornos de ansiedade em adolescentes ainda carece de evidências robustas e seguras.
Sabemos que o cérebro humano segue em desenvolvimento até, em média, os 25 anos de idade
A partir dessa idade, a maturação do córtex pré-frontal que é a área responsável por funções como tomada de decisão, controle de impulsos e planejamento tende a estar completa. Isso significa que, a partir dos 25 anos, os riscos de impactos adversos de substâncias psicoativas, como o THC, ou mesmo de intervenções com CBD, tendem a ser menores. É por isso que muitos estudos e diretrizes internacionais são mais cautelosos com o uso de canabinoides antes dessa faixa etária. No caso de crianças e adolescentes, como a jovem que me procurou, a ausência de evidência suficiente aliada ao cérebro ainda em formação reforça a contraindicação.
Orientei a mãe sobre a importância de acompanhamento psicológico e psiquiátrico adequado, ressaltando que, com essa idade, eu contraindico o uso de Canabidiol para o tratamento da ansiedade, justamente pela falta de estudos conclusivos e pelo risco superar os benefícios.
Prescrever canabinoides não é uma ação isenta de riscos, tampouco deve ser tratada como uma solução genérica ou “natural” para todos os males.
Vivemos um momento em que muitas pessoas buscam respostas imediatas e soluções milagrosas para seus sofrimentos e, com a Cannabis, não é diferente
A ideia de que algo “natural” é automaticamente “seguro” precisa ser desmistificada.
A Cannabis não é panaceia: ela não serve para tudo, nem para todos. Como qualquer outro tratamento, exige avaliação clínica criteriosa, consideração dos riscos e benefícios, e conhecimento atualizado da literatura científica.
É nosso dever como médicos não apenas avaliar se há evidência científica que sustente o uso da Cannabis para determinada condição, mas também garantir que o paciente (ou seus responsáveis) compreenda o que pode e o que não pode ser esperado desse tipo de tratamento. Isso inclui explicar com clareza os efeitos colaterais, as possíveis interações medicamentosas e os limites terapêuticos do uso de canabinoides.
A prescrição de qualquer tratamento exige conhecimento e responsabilidade
Não devemos ceder à pressão, modismos ou expectativas infundadas. Nosso compromisso maior é com a saúde e o bem-estar do nosso paciente, e isso inclui, muitas vezes, dizer não a tratamentos cuja segurança e eficácia não estão plenamente estabelecidas. Que a gente siga acompanhando os avanços da ciência, com mente aberta, mas com olhar crítico. Porque, acima de tudo, prescrever é um ato de confiança e essa confiança deve ser sustentada pela seriedade.
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Confira a live “Cannabis no tratamento da dor”, que contou com a participação da médica anestesiologista, Dra. Renata Coutinho Areosa, CRM 173385 e RQE 117713.