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Quando o diagnóstico vira fuga: a romantização do TDAH e o uso irresponsável da Cannabis

Quando o diagnóstico vira fuga: a romantização do TDAH e o uso irresponsável da Cannabis

Com o aumento do interesse — e da desinformação — sobre o diagnóstico de TDAH, o que mais tenho visto no consultório são pessoas que confundem sintomas provocados por maus hábitos de vida com um Transtorno do Neurodesenvolvimento.

Publicado em

14 de julho de 2025

• Revisado por

Formado na Faculdade de Medicina de Olinda em 2023.2, pós-graduando em Saúde Integrativa pela PUC-RS + Psiquiatria pela Cenbrap.

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Mais da metade dos pacientes que me procuram relatando distração, lapsos de memória e dificuldade de foco simplesmente negligenciam o básico: sono ruim, alimentação desorganizada, zero atividade física e estímulo digital excessivo. Alguns começam a estudar para concurso sem nunca terem construído uma rotina de estudos; outros, depois de anos trabalhando em uma área, resolvem mudar de vida e encaram os estudos — mas, diante da primeira frustração, já buscam um diagnóstico para justificar o baixo rendimento ou recorrer à medicação como um atalho. Quase como um doping cognitivo.

A banalização do diagnóstico revela mais do que desconhecimento

Mostra o quanto a falta de disciplina e de estrutura pessoal vem sendo terceirizada para explicações médicas convenientes, totalmente descoladas da realidade clínica do TDAH. Muitos, ao perceberem que não conseguem conciliar trabalho e estudo, decidem largar o emprego para se dedicar exclusivamente aos estudos. Mas seguem repetindo os mesmos erros: sono desregulado, má alimentação, nenhuma rotina ou método. E, claro, sem rendimento. Quando o desempenho nas provas não aparece, a explicação surge pronta: “deve ser TDAH”.

Paralelamente, o mundo corporativo vive obcecado por performance e resultados, atropelando completamente o ser humano que existe por trás de cada crachá. Mais metas, mais pressão, menos saúde. O que era para ser produtividade virou sobrecarga. O que era entrega virou esgotamento. E a conta, invariavelmente, chega: saúde mental em frangalhos, sono desregulado, hábitos alimentares destruídos, corpo sem movimento.

E, claro, sem energia, sem foco, sem memória. Chegam ao consultório dizendo: “Acho que tenho TDAH”.

Mas o que têm é exaustão, ansiedade, noites mal dormidas e um nível de autoexigência simplesmente insustentável. O TDAH virou o novo bode expiatório de uma sociedade adoecida pelo culto à produtividade.

Como médico, confesso que acho quase engraçado quando vejo pacientes chegando ao consultório já determinados a “forçar” um diagnóstico como TDAH, simplificando algo que, na prática clínica, é muito mais complexo e delicado de se avaliar. Mas, como paciente que realmente convive com esse transtorno, sinto que essa banalização é profundamente triste. Quem romantiza ou busca o diagnóstico como justificativa fácil não faz a menor ideia da dimensão do sofrimento real causado por esse transtorno. Conviver diariamente com TDAH é estar constantemente enfrentando um cérebro que parece funcionar contra você mesmo, tornando até as tarefas mais simples algo extremamente desafiador.

A falta de concentração é apenas a ponta do iceberg que aparece nas redes sociais, onde a propagação superficial do transtorno é constante

Não se fala da profundidade do sofrimento que ele traz. O TDAH é muito mais do que esquecer compromissos ou não render em provas e no trabalho. Envolve instabilidade emocional constante, explosões de impulsividade seguidas de períodos de profunda procrastinação, conflitos nas relações interpessoais e consequências devastadoras para a autoestima e a qualidade de vida geral. Ignorar essa profundidade é banalizar e desrespeitar quem realmente enfrenta, diariamente, a luta para organizar e dar sentido à própria vida em meio ao caos provocado por esse transtorno.

Russell Barkley, um dos maiores especialistas em TDAH no mundo, definiu o transtorno como uma “miopia para o futuro”.

Essa frase carrega um peso real: a dificuldade do paciente não está só no agora, mas em sustentar qualquer projeto de longo prazo. Há um apagamento da consequência futura, como se o cérebro estivesse programado apenas para o presente imediato. E isso afeta tudo — da gestão do tempo às decisões impulsivas que sabotam planos inteiros.

Mas Barkley também aponta algo essencial: “Você não tem culpa de ter TDAH, mas tem toda responsabilidade ao descobri-lo.”

Ao contrário do que muitos imaginam, o diagnóstico não é um álibi. É justamente o ponto de partida para a responsabilidade. Não se trata de esconder falhas atrás de etiquetas, mas de enfrentá-las com maturidade e estratégia. Não dá pra confundir grosseria com instabilidade emocional, nem ausência de método com procrastinação.

Quando compreendido com seriedade, o TDAH deixa de ser rótulo e vira ferramenta de autoconhecimento. O paciente entende seus limites, sim, mas também suas estratégias. É possível assumir responsabilidade sem se culpar por tudo. É possível buscar ajuda sem precisar se justificar o tempo todo. O tratamento — quando bem orientado — não elimina dificuldades, mas reduz o ruído. Ajuda a regular sono, impulsos, planejamento, e principalmente a autoestima, que costuma vir em frangalhos. Mas esse processo exige maturidade, não modismo.

Assim como há mitos sobre o TDAH, há também muitos equívocos sobre a Cannabis medicinal

Ambas as temáticas vêm sendo distorcidas por uma cultura de soluções rápidas e pelo excesso de informação superficial. O mesmo impulso que leva pessoas a buscarem um diagnóstico de TDAH sem critério é o que leva outras a acreditarem que basta fumar um baseado para “resolver o foco”. Mas não é assim que funciona.

Não é raro encontrar pacientes com TDAH que relatam sentir-se mais calmos, centrados ou criativos ao fumar cannabis. E isso, até certo ponto, tem fundamento neurobiológico. Acontece que a maioria esmagadora desses pacientes não consegue — nem tenta — diferenciar o uso terapêutico do recreativo.

A frase clássica se aplica: “a diferença entre o veneno e o remédio é a dose”. E no caso da cannabis fumada, essa dose é incontrolável. O que começa como alívio momentâneo vira vício. O uso perde função e vira fuga. Aquilo que no início parecia solução passa a ser mais um problema. E com o tempo, o que se agrava é justamente aquilo que se queria tratar: impulsividade, desorganização e falta de concentração.

Isso tem uma explicação.

O cérebro com TDAH tem uma tendência natural à busca de gratificação imediata

Isso aumenta o risco de desenvolver vícios — sejam eles por comida, tela, pornografia, compras, ou substâncias. E quando o paciente descobre que a cannabis traz um certo alívio, tende a usar de forma desregulada, crônica, sem acompanhamento. Fuma para dormir, fuma para acordar, fuma para funcionar. E perde o controle. O que era estratégia se transforma em dependência. O que era adaptação vira anestesia emocional. E o TDAH não melhora — disfarça. Temporariamente. Até piorar.

É nesse ponto que a Cannabis medicinal, em sua forma farmacêutica — os óleos ricos em fitocanabinoides específicos — faz diferença

Aqui, não falamos de escapismo, mas de tratamento. O uso adequado, com dose titulada, acompanhamento clínico e formulação apropriada, atua nos sintomas nucleares do TDAH: regula sono, reduz impulsividade, melhora foco e organiza a oscilação de humor. Mais do que isso: o uso correto da cannabis medicinal ajuda, inclusive, a tratar o uso problemático da própria cannabis inalada.

Como médico e paciente que convive diariamente com o TDAH, aprendi que tratar esse transtorno não é apenas silenciar os sintomas, mas dar direção e significado à experiência vivida. O mesmo vale para a cannabis medicinal: não se trata de milagre nem promessa fácil, mas de uma ferramenta terapêutica poderosa que, usada com responsabilidade, pode fazer grande diferença.

Para que a sociedade evolua — e para que tratamentos como a cannabis medicinal se consolidem como parte legítima da prática clínica —, é urgente romper com preconceitos e desinformações. Isso exige mais do que dados: exige escuta, experiência, e sobretudo, humanidade.

O Portal Cannabis & Saúde conta com colunistas especializados, que produzem um conteúdo sério e com rigor científico em relação à Cannabis. Todas as colunas e informações apresentadas nelas são responsabilidade dos próprios colunistas. Da mesma forma, a propriedade intelectual dos textos é de seus autores. 

Confira a trajetória do Dr. Gabriel Rodrigues da Costa: transformando vidas com a Cannabis medicinal

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